terça-feira, 4 de março de 2008

A sanidade em equilíbrio – diálogo de loucos- Victor Costa

A sanidade em equilíbrio – diálogo de loucos.
******

Paula tentava, ao conversar com Sérgio, buscar encontrar algumas respostas e ávida desejava saber a respeito da essência humana:

-... Mas como posso ser sã, se tenho delírios, mesmo que criativos, que provocam grandes abalos nas relações sócio-afetivas?
- Almejes sua pedra preciosa e não faças mal a outrem, a não ser que seja necessário. Se quiseres, retira de ti o conteúdo, tenhas a futilidade como um bem imperioso e não meças esforços para teus objetivos.
- Como serei bem vista se procuro o amor exato e tenho receio das experiências?
- Faz de ti submissa de moralismos escusos, pois se dizia que o amor perfeito poderia ser encontrado nos sanatórios médicos.
- E porque a saudade pode predominar mais do que o sentimentalismo?
- Não há predomínio, desde que não queiras. O amor vale bem menos que o dinheiro! Sejas fria, calculista... Vai às artes comprar jóias, que pensas?
- Queria apreciar as trovas expressivas nas margens do bucólico rio. Vamos?
- Destruas os inimigos para que possas ter status nesta sociedade. Sejas oca, lucrarás em dobro.
- O que tanto escondes e revelas de minha pessoa?
- És frágil! Persista, ajas antes que os outros lhe expulsem do reinado, Vossa Majestade!
- Que coisa boa a paz, não?
- Insensatez, minha cara, cobice o que não te pertence e serás feliz como eu.
- Bem, tive um sonho esquisito. Entrávamos num livro e nos tornávamos famosos. Mas, apenas eu atingia a sobriedade, o equilíbrio pleno...
- Não, não... Evite dar discursos. Se não tiveres saída faça plágios e clichês e dê férias ao cérebro. Ele precisa contemplar os costumes franceses. Pensar é um indicativo de desvios advindos das atividades mentais.
- Como posso escutar estes conselhos? Agora sou infeliz. Serei escritora por ter deixado me alienarem. Hei de morrer, visto que escritores estão fadados ao estado lúgubre. Portanto, serei uma poetiza morta?
- E os louros da fama, onde estão?
- Indigno, observe o meu estado. Fui humilhada. Vejo uma luz que nos salva.
- Como assim? Luz que nos salva? Fui eu quem escreveu o último capítulo desse livro. Reinavas junto a mim! Como pode?
- Envenenei nossa alma. O hospício ia de mal a pior, nos deixaram lá. Morremos, ou melhor, vivemos por muito tempo escrevendo. Tudo similar, não é mesmo? Não fomos o medalhão de suas contradições. Eu lhe redimi, te curei. Eu não sou louca, não! Tu não és louco. Eles, loucos, não sabem nos tratar, tu te revoltas e isto é cruel.
- Não entendo, mas a nossa consolação era o dinheiro.
- Não! Apaguei este destino de nossa realidade ficcional. Não tenhas ambição, aprendas a lição. O conforto espiritual advém do mundo das letras. O melhor que fazes é não dizer que a sua dor é maior do que a do outro, ser saudoso, ser alegre mesmo que nas efemeridades da vida, ter mistérios sobrenaturais e não tentar desvendá-los... Olhe-se no espelho mágico da vida e a aproveite.
- Realmente, é preciso encarar a vida de frente. É realmente necessário encarar a vida de frente e depois descartá-la. Estágios de evitamentos existenciais não nos levam a lugar algum. O melhor é fantasiar e pertencer ao estado de abstração. Sejamos a insânia da sanidade e tentar viver com o coração puro a mudanças.

Depois de uma pausa, já ao anoitecer, uma senhora os medicou como era de práxis. Foram dormir, tiveram acometimentos súbitos. Noutro mês definharam e entraram no universo ilusionista. Talvez os mais perturbados sejam mais inteligentes e sensíveis do que os saudáveis. A vida é um ciclo. A loucura uma viagem sábia que nos mantêm vivos em corpo e alma. Ela nos alimenta a perspectiva.
Victor Costa









Nenhum comentário: